Da “loucura mansa” à “biblioteca viva”: dez anos da Brasiliana da USP

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Texto: Leila Kiyomura
Arte: Carolina Borin Garcia e Joyce Tenório

10 Anos da BBM/USP

Dez anos se passaram desde que a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP inaugurou um sonho e um desafio. O sonho, como bem dizia José Mindlin, seria contagiar crianças, jovens e todos os brasileiros com um vírus incurável. Um vírus que o bibliófilo contraiu aos 12 anos de idade lendo Machado de Assis. E o desafio ficou com os incuráveis professores, pesquisadores e estudantes que se dedicam a preservar e compartilhar o acervo de 32 mil livros raros, que Mindlin dizia ser o “resultado de sua loucura mansa”.

“A BBM é uma biblioteca viva.” Assim o professor Alexandre Macchione Saes, diretor da biblioteca, sintetiza a trajetória da Brasiliana nestes dez anos de atividades. “Buscamos cumprir a meta de José Mindlin ao deixar seu acervo sob a responsabilidade da USP. Procuramos priorizar não só o nosso papel de preservação dessa coleção rara e valiosa, mas cumprir  o papel  de curadoria do conhecimento acumulado, desenvolvendo projetos que propiciam uma permanente reflexão sobre a memória e a cultura brasileira.”

Alexandre Macchione Saes, diretor da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Para celebrar os dez anos da BBM, a sua história será revisitada em uma programação gratuita que acontece nos próximos dias 16, 17 e 18 de maio, no Auditório István Jancsó, localizado no Espaço Brasiliana, na Cidade Universitária. O Seminário BBM 10 Anos: Uma Biblioteca Viva propõe, em oito mesas temáticas, uma reflexão para avaliar os resultados dos projetos e das parcerias e repensar conjuntamente o papel da Biblioteca Brasiliana na sociedade brasileira contemporânea (confira neste link a programação completa do evento).

O vice-diretor da BBM, professor Hélio de Seixas Guimarães, vê a biblioteca como uma jovem instituição que já conquistou um lugar importante na Universidade e fora dela. “Com um projeto vigoroso de digitalização de seu acervo, com sua abertura a pesquisadores de várias áreas de conhecimento por meio de editais de pesquisa e com a criação de protocolos internos de conservação, digitalização e divulgação dos materiais que estão sob sua guarda, a BBM pode servir de referência a outras instituições”, destaca. “É também um centro de reflexão sobre a cultura do livro e os novos sentidos e papéis que uma biblioteca de obras especiais sobre o Brasil pode assumir nos debates sobre o País.”

“É um momento de analisar a trajetória percorrida até agora e de formulação de propostas para o futuro da BBM como uma biblioteca de obras especiais que quer participar cada vez mais ativamente do ambiente universitário e da vida pública, incentivando a produção e a difusão de conhecimento”, enfatiza Guimarães. “Os convidados para participar do seminário são pessoas de referência nas várias atividades que uma biblioteca como a BBM envolve: colecionismo e bibliofilia, preservação e conservação, digitalização, difusão de conhecimento, pesquisa e estudos brasileiros.”

Um caminho para buscar o futuro e reavaliar a história

No caminho da “biblioteca viva”, o diretor Alexandre Macchione Saes, também professor de História Econômica da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP, conta que a BBM vem desenvolvendo vários projetos para reavaliar a história do País. Um deles, 3×22: Desigualdade Brasileira em Três Tempos, buscou refletir sobre o bicentenário da Independência do Brasil e o centenário da Semana de Arte Moderna. “Essa iniciativa debateu duas temáticas centrais para a construção dos projetos de futuro do Brasil: a defesa da diversidade racial e o combate à desigualdade econômica e social”, observa.

Para “inocular o vírus da leitura entre os jovens”, desejo expresso por José Mindlin, foi criado o projeto BBM no Vestibular. “Através de aulas com pesquisadores e professores da USP aqui mesmo no espaço da BBM, nós estamos apresentando uma programação especial com os livros da Fuvest 2024”, conta Saes. “Aproveitamos a oportunidade das aulas para introduzir os participantes à riqueza do acervo e às possibilidades de acesso aos projetos de livros da biblioteca digital, uma oportunidade única para alcançar o público não universitário.”

O professor Hélio de Seixas Guimarães – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

A primeira aula aconteceu no dia 29 de março e versou sobre o romance Quincas Borba, de Machado de Assis. Quem recepcionou os 500 estudantes presentes foi o vice-diretor, Hélio de Seixas Guimarães, especialista na obra machadiana e professor de Literatura Brasileira da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. “A realização do evento dentro da Universidade em que a maioria dos vestibulandos deseja ingressar é uma forma de aproximar os alunos do ambiente acadêmico, de dar concretude àquilo que eles almejam”, afirma Guimarães.

BBM Digital: acesso para todos

“A biblioteca digital da BBM (BBM Digital) desempenha um papel crucial na divulgação e preservação do acervo da Brasiliana”, esclarece Rodrigo Moreira Garcia, bibliotecário e coordenador do projeto. “Ela permite que um número maior de pessoas tenha acesso às obras raras e documentos históricos, independentemente de sua localização geográfica. Além disso, a digitalização do acervo preserva as obras originais, protegendo-as contra danos físicos e possibilitando sua conservação a longo prazo.”

Garcia esclarece que a BBM Digital é um conjunto de recursos e ferramentas disponíveis on-line para pesquisa e acesso ao acervo digitalizado. “Através desse serviço, os usuários podem explorar e pesquisar o acervo de forma eficiente. Ele oferece uma plataforma de fácil navegação, permitindo a busca por assunto, autor e data, entre outros, além de navegar por coleções específicas, acessar metadados detalhados e visualizar e realizar o download das obras digitalizadas em alta qualidade.”

Rodrigo Moreira Garcia, bibliotecário da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Garcia ressalta que, embora a BBM não desenvolva um projeto específico para o público infantojuvenil, a BBM Digital pode servir como uma ferramenta para que as escolas implementem programas ou iniciativas educacionais destinados a envolver crianças e jovens na descoberta do patrimônio cultural, histórico e de memória. “Esses projetos podem incluir atividades interativas, jogos, narrativas digitais e recursos pedagógicos adaptados para o público infantil, incentivando o interesse pela leitura, pela cultura e pela história.”

Segundo Garcia, que é mestre em Ciência da Informação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), transmitir a imagem e a percepção de um livro raro e histórico em um sistema digital é desafiador, mas algumas estratégias podem ajudar nesse processo. “Primeiro, é importante garantir que a digitalização seja feita com alta qualidade, capturando detalhes visuais e textuais importantes. A BBM Digital está em consonância com as diretrizes da Federação Internacional de Associações e Instituições Bibliotecárias (Ifla, na sigla em inglês) para o planejamento e digitalização de livros raros e coleções especiais, além de procurar garantir a preservação digital dos arquivos gerados.”

Garcia esclarece: “A BBM procura também enriquecer a experiência do usuário fornecendo informações contextuais sobre a obra, como seu contexto histórico, autor, período de publicação e curiosidades relacionadas. A BBM procura fazer isso através de seu blog (https://blog.bbm.usp.br/) e suas postagens compartilhadas nas redes sociais. Inclusive  alguns recursos adicionais são produzidos e  disponibilizados, como imagens complementares, vídeos explicativos e depoimentos de especialistas em seu canal no Youtube, para oferecer uma visão mais abrangente e enriquecedora”. Tais recursos procuram promover a interação com o público leitor, ajudando a criar uma comunidade em torno da BBM e de sua biblioteca digital, onde os leitores possam discutir, compartilhar suas percepções e se envolver com o acervo de forma mais participativa.

Matéria originalmente publicada no Jornal da USP

Rodrigo M. Garcia

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