Nicteroy, ou Metamorphose do Rio de Janeiro é um poema publicado originalmente em 1822 por Januário da Cunha Barbosa, e é uma obra considerada “raríssima” já que foi pouco republicada.
O autor foi uma notável figura pública, influente no Rio de Janeiro durante o período do Primeiro Reinado. Ganhou destaque por dedicar-se à Maçonaria e à luta nacional pela Independência.
Em um artigo sobre a obra, do Prof. Dr. Beethoven Alvarez, do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Universidade Federal Fluminense, podemos encontrar uma pequena biografia sobre Januário da Cunha.
“… vale destacar que, como religioso, foi co?nego da Capela Real (depois intitulada Capela Imperial, a partir de 1808, com a vinda da fami?lia Real para o Brasil) e autor de diversos sermo?es religiosos; como intelectual, discutiu a questa?o da colonizac?a?o indi?gena e a Independe?ncia do Brasil, e ainda se tornou Biblioteca?rio da Biblioteca Pu?blica da Corte (hoje Biblioteca Nacional) e notabilizou-se como membro fundador do Instituto Histo?rico e Geogra?fico Brasileiro (IHGB), onde se preocupou com a manutenc?a?o da memo?ria de diversos autores e homens pu?blicos brasileiros e temas de importa?ncia nacional; como poli?tico, foi deputado pelo Rio de Janeiro na primeira Assembleia Legislativa (1826-1829); como jornalista, criou o perio?dico Reve?rbero Constitucional Fluminense, em que defendia a independe?ncia do Brasil e contribuiu com tantos outros; e como poeta, escreveu entre outros poemas e pec?as, o epi?lio em estilo ovidiano Nicteroy, ou a Metamorphose do Rio de Janeiro, pore?m, sendo mais reconhecido, na literatura, como o organizador da primeira antologia de poesia brasileira, o Parnazo Brasileiro (1829-1832).
O contexto histórico do Brasil naquele período apresentava uma realidade antagônica, através das promessas de modernidade e futuro promissor com a Independência, e de um passado colonial autossuficiente. Os elementos do passado e do presente coexistiam de maneira pouco harmoniosa, o que se tornou perceptível em suas obras de cunho jornalístico e político, que satirizava figuras políticas, como em A Rusga da Praia Grande e Os Garimpeiros.
Sua influência política em eventos que culminaram na separação de Brasil e Portugal o levaram ao exílio onde, depois de passar por Paris, se estabelece em Londres, local de publicação de seu poema, fato que restringiu a circulação pelo Brasil. Menos de um ano depois, Janua?rio e? inocentado e retorna ao país.
Numa das edições entre janeiro e junho do periódico Correio Braziliense de 1822, é possível encontrar uma pequena nota sobre a publicação da obra por R. Greenlaw:
“Este pequeno poema conte?m uma bela descric?a?o poe?tica da povoac?a?o e progressos do Rio de Janeiro, na bai?a chamada Nitero?i, pelos habitantes abori?genes, e que o poeta finge ser um filho do gigante Mimas, descendente de Saturno e de Atla?ntida”.
Devido ao grande reconhecimento em vida, após sua morte em 1846, o cônego foi homenageado em diversas ocasiões. Um desses eventos, foi realizado pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, e contou com a presença de mais de 400 convidados, entre eles Ministros, Conselheiros do Estado, da Câmara dos Deputados e Senado, militares, religiosos e ainda o próprio imperador D. Pedro II.
Confira um trecho da história do índio Niterói, em versão ortográfica atualizada pelo Professors Alvarez.
Nos braços maternais, nascido apenas,
Jazia Niterói, satúrnea prole,
Quando Mimas seu pai, gigante enorme,
Que ao céu com mão soberba arremessara
A flamígera Lemnos, arrancada
Dos mares no furor de guerra ímpia,
Tingiu de sangue as águas, salpicando
De seu cérebro o Ossa, o Olimpo e o Ótris,
Ferido pelo ferro, com que Marte
Vingou de Jove a injúria em morte acerba.
Lamentando-se, Atlântida apertava
Ao peito o filho, pálida, temendo
Trissulcos raios que inda acesos via.
Ouviu seu pranto o rei do argênteo lago,
E o tenro infante, compassivo, acolhe.
No choque horrível que, dos Flegros Campos,
O mundo, sobre os polos, abalara
Surgiram novas terras, novos mares,
Cobriram reinos, ilhas, cabos, brenhas.
Netuno aponta a plaga rica e vasta,
Do sepulcro do sol, erguida há pouco,
Inda mádida e nova, inda ignorada
Dos homens e do mundo; aqui se abriga
A estirpe ilustre, em Mimas profligada,
Que o justo e paternal intento herdara.
Cresceu com a idade a força, a raiva e o brio.
Da ilustre geração fervendo o sangue
Nas veias da titânia oculta prole,
Reforça o braço, que árduas feras doma,
Que troncos mil escacha, abate e arranca,
Mudando o assento às rochas alterosas.
Cinge a frente ao robusto altivo jovem
Cocar plumoso ornado de ametistas;
Diamantino fulgor contrasta o brilho
De esmeraldas, rubis, topázios louros,
Que a rica zona marchetando enfeitam.
Negra coma lhe desce aos ventos solta,
Repartida, vestindo os largos ombros.
Nas faces brilha mocidade imberbe,
E a cor, que as tinge, porque o sol as cresta,
Semelha o cobre lúcido polido.
Nos olhos leem-se os vívidos intentos,
Que de Mimas herdara e ocultos jazem
No grande coração, que a injúria abafa.
O esbelto colo três gorjeiras prendem
De ouro e prata, e manilhas de ouro e gemas
Os musculosos braços lhe guarnecem.
Aperta o ventre nu, reveste a cinta
Fraldão tecido de vistosas penas;
Mosqueada pele um tiracolo forma,
De que pende em carcás cavado dente
De monstro horrendo pelo mar gerado.
Niterói daqui tira ervadas setas,
Em que as feras certeiro à morte envia,
Quando as brenhas perlustra, e o bosque, e o prado.
Empunha a destra mão robusto tronco
Dos ramos mal despido; é esta a clava,
Que abate os tigres, os dragões, e as serpes
Mais pronto do que em Lerna o fero Alcides.
[…]
Não perca o restante dessa poesia. Acesse nossa biblioteca digital https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/7704!
Referências:
ALVAREZ, Beethoven. Por uma Edição Crítica e um Estudo do Poema Nicteroy, de Januário da Cunha Barbosa. 2016. Disponível em: http://llp.bibliopolis.info/confluencia rc/ index.php/rc/article/view/166. Acesso em 11 de março de 2019.
ALVAREZ, Beethoven. Poema Nicteroy. Disponível em: http://www.professores.uff.br /beethoven/ poema -nicteroy/. Acesso em 11 de março de 2019.