El Paulista de la Calle Florida: Mário de Andrade comenta a literatura argentina

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por João Paulo Panucci Gomes Rosa

O livro El Paulista de la Calle Florida reúne uma coletânea de escritos de Mário de Andrade publicados no Brasil entre as décadas de 1920 e 1940. Uma importante demonstração do trabalho de Mário como crítico literário, os textos dialogam com importantes nomes da intelectualidade argentina da época, tais como Jorge Luis Borges, Oliverio Girondo e  Ricardo Guiraldes.  A organização da coletânea ficou a cargo de Raúl Antelo, um importante propulsor da crítica literária latino-americana no Brasil, que também prefaciou e traduziu a obra.

Publicada pelo Centro de Estudios Brasileños de Buenos Aires, ligado à embaixada brasileira na Argentina, El Paulista de la Calle Florida traz uma série de textos críticos importantes de Mário de Andrade. À época, o instituto cultural era presidido por Maria Julieta Drummond de Andrade, filha do poeta Carlos Drummond de Andrade, da qual o exemplar presente na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin possui alguns anexos. Além disso, o exemplar em questão traz alguns cartões comemorativos do Centro de Estudios Brasileños, que completava 25 anos quando da publicação do livro. Estas especificidades tornam a obra ainda mais interessante e convidativa.

O livro faz parte da coleção Iracema, do Centro de Estudios Brasileños de Buenos Aires, publicado em coedição com o editorial Botella al mar, um nome importante do ramo na Argentina. Até aquele momento, o centro cultural brasileiro na capital argentina já havia publicado outros três títulos nesta coleção, informação que aparece na primeira página do livro:  Eu, de Augusto dos Anjos; Teatro Infantil, de Maria Clara Machado, e Fragmentos, de Pedro Nava. 

Há que destacar, ainda, o espaço dedicado ao reconhecimento pelo financiamento concedido para a produção da obra. Na primeira página, o Centro de Estudios Brasileños de Buenos Aires agradece ao Banco do Brasil pelo apoio que permitiu a publicação. De igual maneira, na última página do livro, após o índice, pode-se ver um espaço de agradecimento dedicado à fundação de fomento à pesquisa FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e ao Acervo Mário de Andrade do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB- USP).
O livro reúne vários artigos escritos por Mário sobre alguns escritores argentinos, estabelecendo um diálogo de extrema importância no contexto da literatura sul-americana. Durante muito tempo, apesar da proximidade cultural, linguística e geográfica, não houve uma conversa entre os países de fala hispânica e o Brasil, no sentido de construir caminhos para compreender os processos da formação de suas literaturas. Desta forma, os textos de Mário, reunidos por Raúl Antelo, representam uma intertextualidade interessante para a literatura de ambos os países. Atuando como crítico literário, Mário de Andrade comenta, nestes artigos, sobre importantes escritores argentinos contemporâneos seus, entre os quais Jorge Luís Borges e Oliverio Girondo.

O primeiro artigo da coletânea corresponde a um dos primeiros textos de Mário enquanto crítico literário no meio jornalístico, e foi publicado em 1927 no Diário Nacional de São Paulo. Trata-se de uma resenha comentando uma antologia publicada recentemente na Argentina com o título Exposición de la actual poesía argentina, compilada por Pedro Juan Vignale e César Tiempo. Mário compara a antologia com outra publicada um ano antes por Júlio Noé, de teor mais acadêmico, destacando o elemento irônico da antologia mais recente. 

Logo em seguida, Mário comenta sobre a vanguarda argentina, fazendo um paralelo com o modernismo brasileiro. Em certa medida, Mário faz uma crítica ao nacionalismo, ou mesmo ao Pan-americanismo que imperava então nos círculos literários, defendendo o uso da boa medida entre o particular e o universal. Assim, o poeta paulistano expõe algumas revistas literárias influentes na Argentina, com destaque para a Martín Fierro, herdeira do nome do célebre épico gauchesco de José Hernandez, na qual colaboraram reconhecidos escritores do país vizinho, entre os quais Borges.

El Paulista de la Calle Florida está dividido em cinco capítulos, de forma que Raúl Antelo, o organizador, separou os artigos de Mário em temáticas. Assim, o primeiro capítulo, El proceso literário, revela algumas considerações sobre o momento literário da Argentina, enquanto que no segundo, Los Contemporáneos, temos comentários sobre os escritores Borges, Girondo, Guiraldes, Luganes, Marechal e Olivari.

No terceiro e quarto capítulo, por sua vez, respectivamente La ciudadanía e La identidad Cultural, o paulista referencia alguns traços culturais, fazendo uma crítica ao Pan-americanismo e apontando a importância do estudo do folclore. Por fim, o último capítulo, La técnica, apresenta alguns comentários mais metalinguísticos, tendo como foco principal de debate a língua. 

Centro de Estudios Brasileños de Buenos Aires

Quando publicado o livro, no ano de 1979,  o centro cultural estava comemorando seu 25º aniversário; o exemplar da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin  possui alguns anexos que remetem à data festiva. Um deles é um programa das atividades realizadas entre os dias 3 e 22 de maio daquele ano. Nesses dias, o instituto contou com atividades diversas, que se iniciaram com um ato recordatório, no dia três de maio,  seguido, nos dias seguintes,  por um baile, feijoada, recital musical e uma mostra de pinturas e desenhos. Por fim, finalizando a comemoração pelas Bodas de Prata, no dia 22 de maio ocorreu a apresentação do livro El Paulista de la Calle Florida, com a presença do tradutor e organizador Raúl Antelo.                 

Além do cronograma, o exemplar traz anexo um cartão convite para o lançamento do livro, que teria lugar no dia 22 de maio às 19h30. O convite indica também a inauguração da exposição “Mário de Andrade aprendiz de fotógrafo” e acrescenta que, no evento de apresentação do livro, estaria presente o tradutor em companhia de Mirta Arlt, Jorge Rivera, além de Elsa Berenguer, que interpretaria um fragmento de Macunaíma.  (imagens 2, 3, 4 e 5)

Outro anexo importante para conhecer os trabalhos desenvolvidos pelo Centro de Estudios Brasileños, também vinculado ao exemplar M2I 05296 e.1 da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, é um boletim cultural referente aos meses de março e abril do mesmo ano. Dividido em duas páginas, cada qual correspondente a um dos meses, o boletim apresenta uma série de atividades culturais que seriam desenvolvidas naquele bimestre. Iniciando em março, há a abertura dos cursos de língua portuguesa no dia 12. Chama a atenção a disponibilidade de uma variedade considerável nos oferecimentos dos cursos de língua, que se dividem em cursos regulares (1º, 2º e 3º ano) e outras modalidades específicas, como curso de português voltado para turistas, tradução e conversação. No mês de junho ocorreriam outras atividades, como a inauguração da livraria Manuel Bandeira e uma conversa com Josué Montello, da Academia Brasileira de Letras. 

No mês de abril, o Centro Cultural apresenta uma agenda maior, com cursos de língua portuguesa, alguns com enfoques mais específicos, voltados para tradução, conversação, literatura e aspectos culturais O instituto também sediou o curso de língua portuguesa da Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Buenos Aires. 

Os Centros de Estudos Brasileiros foram criados para promover a cultura brasileira, bem como a língua, em alguns países. Ligados às embaixadas em seus respectivos países, foram implementados inicialmente em países da América Latina e África a partir dos anos 1940, sendo assim uma das mais expressivas instituições que trabalharam no âmbito das políticas linguísticas do ensino de língua portuguesa no exterior, além do papel primordial da divulgação da cultura e literatura brasileiras. Após 2008, ficaram conhecidos como Centros Culturais Brasileiros, seguindo com o trabalho de difusão cultural, ainda ligados às embaixadas em suas respectivas circunscrições. Recentemente o Governo brasileiro criou o Instituto Guimarães Rosa, que funciona nos moldes dos antigos Centros de Estudos, tendo como objetivo uma participação mais efetiva do Brasil nas políticas linguísticas referentes ao ensino de língua portuguesa no âmbito internacional. 

Maria Julieta Drummond de Andrade 

Nascida em Belo Horizonte no ano de 1928, filha de Carlos Drummond de Andrade, Maria Julieta sempre esteve muito ligada ao pai. Durante o período em que residiu na Argentina, houve intensa troca de cartas entre eles. Tão forte era o elo que apenas doze dias separam as datas do falecimento de pai e filha: Carlos Drummond de Andrade ficou tão abalado com a morte da filha, em 5 de agosto de 1987, que faleceu logo depois, vítima de um infarto.

Julieta foi um importante nome nas relações culturais entre Brasil e Argentina, país no qual residiu por mais de 30 anos, após ter se casado com o intelectual argentino Manuel Graña Etcheverry. Durante esse tempo, dedicou-se à divulgação da cultura e literatura brasileiras, motivo pelo qual foi reconhecida com o prêmio de Personalidade do ano, em 1980, pela Universidade de Buenos Aires, e , no mesmo ano, por divulgar a literatura brasileira pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA).

Além disso, ministrou aulas na Universidade de Buenos Aires e trabalhou na tradução de títulos em língua portuguesa e espanhola; também há que considerar o papel importantíssimo que exerceu na direção do Centro de Estudios Brasileños. À época da publicação do livro El paulista de la calle florida, Maria Julieta era diretora desse instituto cultural, ligado à Embaixada do Brasil em Buenos Aires, labor que realizou com muita diligência, organizando eventos, incentivando publicações e realizando outras tarefas de intercâmbio cultural entre os dois países vizinhos. 

Desta forma, o exemplar da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin apresenta alguns anexos de Maria Julieta. Um destes é uma carta, firmada no dia 22 de maio de 1979, juntamente com a qual a filha de Drummond envia um exemplar do livro, assinando como diretora do instituto cultural brasileiro na Argentina.  Além deste documento, há ainda dois cartões de Maria Julieta Drummond de Andrade com o indicativo de “Diretora do Centro de Estudos Brasileiros”, em um dos quais ela deixa um pequeno recado de agradecimento a José Mindlin. 

No prefácio do livro El Paulista de la calle Florida, Raúl Antelo inclui nos agradecimentos Maria Julieta Drummond de Andrade. 

Literatura brasileira em tradução na BBM

Este texto é resultado das pesquisas feitas para o projeto “Literatura brasileira em tradução na BBM”, que consiste no levantamento, estudo e difusão de informações sobre obras da literatura brasileira em tradução pertencentes ao acervo da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin. O recenseamento e a posterior seleção dos títulos permitirá conhecer: a extensão e a importância dos livros traduzidos em quatro domínios linguísticos: inglês, espanhol, francês e alemão; a recorrência, nesse conjunto, de obras de determinados períodos, autores e gêneros literários; o percurso dos livros até sua chegada e inclusão na coleção por meio do exame de marcas autógrafas e paratextos. O projeto é coordenado por Hélio de Seixas Guimarães

Referências bibliográficas

ANDRADE, Mário de. El paulista de la calle Florida. Edición organizada y traducida por Raúl Antelo. Buenos Aires : Centro de Estudos Brasileños, 1979.

Maria Julieta Drummond de Andrade: Apresentação. Instituto Moreira Salles. Disponível em:https://ims.com.br/2017/06/01/sobre-maria-julieta-drummond-de-andrade//. Acesso em:04/08/2023

MONEGAL, Emir R. Mário de Andrade / Borges: Um Diálogo dos Anos 20. São Paulo: Editora Perspectivo, 1978.

SILVA, D. B. (UERJ). O passado no presente: história da promoção e difusão da língua portuguesa no exterior. In Cadernos do CNLF, Vol. XIV, Nº 4, t. 4, pp. 3018-3034.

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João Paulo Panucci Gomes Rosa é graduando em Letras pela FFLCH-USP e bolsista do projeto “Literatura brasileira em tradução na BBM”, coordenado por Hélio de Seixas Guimarães (PUB-2022-2023).


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