Por: Leonardo Baroni Alves dos Santos.
A revista Verde foi criada em setembro de 1927 por um grupo de escritores muito jovens em Cataguases, interior de Minas Gerais e encerrou as atividades em maio de 1929. A cidade, por mais que escondida no mapa, encontrava-se em um contexto de desenvolvimento e modernização – tanto no âmbito tecnológico, quanto no intelectual -, se comparada às outras outras cidades interioranas do Brasil. Mesmo não se consolidando em um centro urbano, como o usual do movimento modernista, o periódico alcançou reconhecimento nacional.
A revista tinha como objetivo explorar e difundir o Modernismo e o nacionalismo brasileiro. Conseguiu estabelecer certa originalidade e independência dos estilos e modos literários relacionados ao movimento modernista brasileiro, inovando, desse modo, na linguagem e na temática. O periódico mensal foi idealizado por Henrique Resende, Rosário Fusco, Guilhermino César, Martins Mendes, Ascânio Lopes, Francisco Inácio Peixoto etc., que foram aconselhados por Mário de Andrade e Antônio Alcântara Machado.
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O nascimento da Verde.
O modernismo no Brasil foi um movimento artístico e literário que tinha como objetivo romper as formas tradicionais das artes plásticas e da literatura produzidas até então. O marco desse movimento foi a Semana de Arte Moderna, realizada no ano de 1922 em São Paulo. Seguindo essa tendência, algumas revistas e manifestos – como Klaxon, Verde-amarelismo e Revista de Antropofagia – surgiram para endossar as novas propostas. O movimento ocorreu com mais força nos centros urbanos desenvolvidos, como Rio de Janeiro e, principalmente, São Paulo, que passava por um processo de ascensão econômica, industrialização e imigração. Grande parte da elite intelectual estava concentrada nesses centros, sendo fator determinante para as produções artísticas modernas da época.
A cidade de Cataguases, por outro lado, era um lugar que poderia ser classificado como desconhecido. Em vista disso, o nascimento da revista Verde é um fenômeno contrário ao usual, ou seja, uma produção cultural de peso que parte da periferia ao centro. O município, de toda maneira, era avançado para os padrões de sua época. Enquanto o analfabetismo era predominante no território brasileiro, Cataguases possuía três escolas e um número elevado de jornais circulava na cidade. Além disso, o cinema de Humberto Mauro se consolidava na cidade, tendo sua primeira produção em 1924. A obra foi pioneira em libertar o cinema nacional dos “vínculos com a tradição teatralizante europeia, principalmente francesa”, nas palavras de José Tavares Bastos.
Luiz Ruffato, escritor contemporâneo de Cataguases, estabelece uma conexão entre o surgimento do cinema brasileiro e da revista, por afirmar que “ele [Humberto Mauro] influenciou, ainda que indiretamente, o grupo que se constituiria na revista Verde”. Ambos buscaram, com maior fervor, colocar em evidência a nacionalidade brasileira. No “Manifesto do Grupo Verde de Cataguases”, que inaugura a revista, são apresentadas as propostas do periódico:
O processo de consolidação da revista
A revista Verde teve reconhecimento nacional e conseguiu, desse modo, reiterar e reafirmar o que era muito prezado e característico do modernismo: a temática nacionalista e a liberdade de expressão. Os idealizadores receberam várias orientações de Alcântara Machado, Carlos Drummond de Andrade e, principalmente, Mário de Andrade, que em um determinado momento foi até convidado para ser redator da revista, mas recusou alegando, segundo informa Júlio Castañon Guimarães, que já era “redator da Verde em virtude do esforço que despendia para que a revista vivesse.”. Por mais que tenha havido diversas intervenções externas na consolidação do periódico, Ruffato afirma que “os intelectuais cataguasenses mantiveram a originalidade cosmopolita”.
Estavam presentes diversos tipos de textos na revista: teóricos, críticos e literários, além de pequenos ensaios, resenhas e xilogravuras. Mas, ao longo das seis edições, o carro chefe da revista foi a poesia, o que foi criticado por Drummond em uma carta a Rosário Fusco, na qual sugeria que não se deveria “encher a revista com poesia”. Houve também críticas, por parte de Mário e Alcântara Machado, em relação à fraqueza da técnica e da ausência de ideias dos jovens escritores.
Por mais que houvesse tais apontamentos, a produção dessas poesias foi de extrema relevância para o movimento, como também para a representação do contexto geográfico e social em que os autores estavam inseridos: os “cafezais verdes”, a “paz das coisas simples” e o “domingo na fazenda” criaram uma ligação entre os meios rural e urbano e apontaram para o atraso recorrente nas cidades interioranas do país. As produções abordavam, também, temas míticos e históricos, lendas brasileiras e denúncias das condições sociais precárias de uma determinada classe da população. Mesmo não havendo uma qualidade constante nas poesias, os Verdes tiveram uma evolução em relação à inovação da linguagem e ao poder de síntese – pontos fortemente reforçados por seus conselheiros.
O processo de construção da revista pode ser considerado como o fomento da literatura regionalista de 1930, pois incita “inquietações que iriam desembocar num largo estuário literário e político”, como afirma Guilhermino César sobre a Verde. Dessa forma, a revista teve seu papel importante ao apresentar traços de uma denúncia social e estabelecer o predomínio do regionalismo, que seriam focos da literatura de 30. Este foi um momento marcante para a literatura, pois representava, segundo Thiago Salla, uma “literatura de revolução”, ou seja, que problematiza a realidade brasileira e traz, com maior força, a consciência política do país.
O desaparecimento precoce
A revista Verde foi marcada por duas fases: a primeira com 5 volumes e a segunda com 1 apenas. Mesmo que o periódico fosse considerado mensal, não houve uma regularidade de publicação em toda a trajetória da revista. Os quatro primeiros volumes tiveram uma periodicidade regular (setembro, outubro, novembro e dezembro de 1927), o quinto volume em junho de 1928 e o último volume – primeiro e único da segunda fase – em maio de 1929.
A revista começou a passar por dificuldades desde o seu primeiro hiato, o que gerou, para o volume número 5, uma alteração no aspecto físico do periódico: a capa foi vermelha em vez de verde, por andar “vermelhinha de vergonha” por conta da pausa. Nessa 5ª edição foi inserido um suplemento especial dos meses de fevereiro, março, abril e maio de 1928.
A justificativa dada por um dos integrantes de Verde para o fim da revista foi a morte do integrante Ascânio Lopes: “(…) Verde está morta desde 1929, quando morreu também nosso querido Ascânio Lopes”, afirmou Rosário Fusco. A longa pausa entre o quarto e o quinto número da revista, contudo, indica que outras dificuldades contribuíram para o fim da revista.
Mesmo com o fim do periódico, alguns dos autores não deixaram de colaborar em jornais e outras revistas modernistas, como o Jornal Cataguases e a Revista de Antropofagia. Publicaram também livros pela Verde Editora, como Poemas Cronológicos, 1928, de Henrique de Resende, Rosário Fusco e Ascânio Lopes.
A Verde cumpriu a sua função de divulgar suas ideias modernistas em um momento no qual a produção de manifestos e revistas modernistas já vinha perdendo força. Como as outras revistas modernistas, cumpriu sua função de disseminar novas ideias em um período breve de tempo. O periódico pode ser enxergado, também, como uma revista de transição, por conta da transformação do movimento modernista que ia contra a literatura consagrada europeia, para um movimento de crítica social, ponto central da literatura regionalista produzida nos anos 30.
Referências
CASTAÑON, Júlio. Verde: Uma revista e arredores. In: PUNTONI, Pedro; TITAN JUNIOR, Samuel (Org.). Verde. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo; Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, 2014. p. 11-27.
MARQUES, Ivan. Modernismo em revista: estética e ideologia nos periódicos dos anos 1920. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013. 175 p.
RUFFATO, Luiz. Os Ases de Cataguases: Uma história dos primórdios do Modernismo.. Cataguases: Instituto Francisca de Souza Peixoto, 2002. 125 p.
RICHA, Ana Lúcia Guimarães. Uma vanguarda à moda de Cataguases. Cataguases: Instituto Francisca de Souza Peixoto, 2008. 279 p.
SALLA, Thiago Mio. Literatura, política e legitimação institucional: o romance de 1930 e o modernismo de 1922 segundo a retórica estadonovista. Teresa: Revista de Literatura Brasileira., São Paulo, v. 16, n. 1, p.118-134, jun. 2015. Anual. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/teresa/issue/view/8684>. Acesso em: 12 nov. 2018.
SANT’ANA, Rivânia Maria Trotta. O movimento modernista verde, de Cataguases – MG: 1927-1929. Cataguases: Instituto Francisca de Souza Peixoto, 2009. 372 p.
VERDE : revista mensal de arte e cultura. Cataguases, MG : Typ. A Brasileira, 1927-1929.
Leonardo Baroni Alves dos Santos é graduando em Letras – com habilitação em português e italiano – pela FFLCH-USP.
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