A arte culinária da Bahia de Manuel Querino: em defesa das tradições afro-brasileiras

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por Gustavo Pontes

O Dia da Consciência Negra é um marco para pensarmos a história do povo negro no Brasil: suas tradições, heranças e dificuldades. Esse último ponto está estritamente ligado ao racismo, que muitas vezes é encarado como uma doença da nossa sociedade, visto como algo anormal. O advogado e filósofo Silvio Almeida diz que o racismo é estrutural e estruturante na sociedade brasileira, ou seja, não é o anormal da sociedade e sim o “normal”, de acordo com a sua lógica de funcionamento de seus principais pilares – economia, política e subjetividade. Esse racismo estrutural acaba ocultando, conscientemente ou não, as tradições e heranças do povo negro brasileiro.

A trajetória e obra de Manuel Raimundo Querino traz elementos importantes para esse debate. Nascido em 1851 em Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo Baiano, Querino torna-se órfão ainda criança e passa a ser criado por uma amiga da família. Ao concluir o curso primário, se alista como recruta para a guerra contra o Paraguai, onde não atua por motivos de saúde. Mais tarde, inicia os estudos em Humanidades na faculdade 25 de março e posteriormente na Escola de Belas Artes, obtendo o diploma de desenhista em 1882, sendo em seguida aprovado para o curso de Arquitetura. No campo político, é um grande defensor da liberdade dos negros escravizados e da república. Escreve diversos artigos combativos, se tornando um importante líder abolicionista.

Manuel Raimundo Querino

Querino se empenhava também em valorizar a cultura negra no Brasil, o que o motivou a pesquisar a fundo e a divulgar amplamente os seus resultados. Entre 1903 e 1916, dedica-se ao estudo e reconhecimento de artistas e suas artes, em especial os trabalhadores negros que foram rejeitados devido ao avanço das técnicas e tecnologias. Uma das principais obras desse período é Os Artistas Baianos, publicado na revista do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia, em 1906. A partir de 1916, dedica-se aos costumes herdados dos africanos escravizados que viveram na Bahia, participando nesse mesmo ano no 5º Congresso Brasileiro de Geografia, onde apresentou seu estudo A raça africana e os seus costumes na Bahia. Posteriormente, publica importantes textos como “O colono preto como fator da civilização brasileira” e “Homens de cor preta na história”.

Em 1923, Manuel morre deixando grandes obras a serem publicadas nos anos seguintes. Uma importante obra de sua autoria, que pode ser acessada na BBM Digital, é A arte culinária da Bahia. Trata-se de uma compilação de receitas baianas que chamam atenção por ser majoritariamente herdadas da culinária africana. O livro traz pratos famosos como acarajé, caruru e moqueca de peixe e outros menos conhecidos, como efó, ecuru, aberém ipeté. Ao chamar esses pratos de “puramente africanos”, nota-se o esforço de Querino de valorizar as contribuições dos africanos e afro-descendentes para a tradição culinária baiana, que se difundiu pelo Brasil afora.

Analisando obras e publicações de Querino, percebe-se seu pioneirismo na valorização da cultura africana. Além de produzir estudos sobre a história do negro brasileiro, o autor defendeu a dignidade desse povo e buscou elucidar as contribuições dos negros para a formação da identidade brasileira. A arte culinária da Bahia é apenas uma das diversas contribuições que Querino nos deixou para a luta pela valorização dos negros e negras do Brasil, que também marca o dia da Consciência Negra. Um dia que não se limita a si mesmo. 

Gustavo Pontes é graduando em História pela FFLCH-USP

Curadoria

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