O Brasil pitoresco (1861) de Victor Frond e Charles Ribeyrolles foi a primeira publicação a utilizar a fotografia na América Latina. As fotografias aparecem indiretamente, no entanto, servindo de base para os desenhos que foram de fato impressos. Com dezenas de imagens, três volumes e texto em português e francês a obra era bastante luxuosa e parte do seu financiamento veio do próprio governo do Brasil. Não por acaso e nem por puro apoio às artes, já que a finalidade principal do livro era criar uma imagem pitoresca e atraente do país para os olhos europeus, uma espécie de revisão de relatos de viagem anteriores que não se limitavam a apenas imagens positivas.
No contexto em que a abolição da escravidão se mostrava cada vez mais inevitável e o aumento da população branca se tornava política de Estado, estimular a imigração europeia tanto para esse fim, como para a industrialização e ocupação do território era urgente para o Império. Em uma matéria de jornal da época, lia-se: “Não faltará quem diga que há assuntos de mais importância para a atenção do governo. Não conhecemos outro mais grave nem mais importante do que a introdução de braços. Tudo quanto tender a fomentar a emigração europeia para as nossas praias, por mais remota que pareça a sua ação, é de interesse imediato para o país.” (Correio mercantil, 1859).
Os Autores e a fotografia
Em 1851 acontecia na França o golpe de Estado do presidente Luís Napoleão Bonaparte, e assim, acabava a Segunda República Francesa e começava o Segundo império. Os adversários do regime foram virando prisioneiros e exilados; um dos mais célebres entre eles foi o autor Victor Hugo. Republicano como Hugo, mas de menor celebridade, Victor Frond servia no corpo de bombeiros e era um militante fervoroso. Depois de declarar oposição ao governo, ser preso, fugir da prisão e exilar-se na Inglaterra, Frond conhece o político e jornalista Charles Ribeyrolles, que fazia parte de um grupo de franceses influentes exilados, inclusive o Victor Hugo, seu amigo próximo.
A essa altura, a invenção da fotografia tinha pouco mais de 10 anos; ainda enfrentava resistência enquanto técnica artística, mas a tecnologia ia se aperfeiçoando e se tornava cada vez mais comum na Europa. Em uma viagem à Lisboa, Frond supostamente reencontra um companheiro de fuga da prisão, Alfred Fillon, que naquele momento tinha adotado o ofício de fotógrafo e, mais do que isso, por indicação de Victor Hugo havia se tornado o retratista oficial da corte portuguesa. Existe uma discordância de datas em biografias que coloca em dúvida se tudo realmente se deu desta maneira, mas o fato é que Frond aprende o ofício de fotógrafo e dois anos mais tarde já desembarcava no Rio de Janeiro, onde abriria um laboratório fotográfico, trabalharia como retratista de pessoas ilustres (como a corte brasileira) e daria início a seu projeto do Brasil Pitoresco.
Brazil Pittoresco
O projeto do livro foi apresentado na imprensa: “o sr. Frond pretende visitar algumas de nossas mais importantes províncias e copiar em grande formato os pontos de vista mais grandiosos os lugares que, como os campos do Ipiranga, recordem os fatos da nossa história. (…) Sob indicação do governo, copiará principalmente todos os terrenos próprios para a colonização que seja útil fazer conhecer na Europa, e de que o texto explicativo fará notar todas as vantagens locais e riqueza de produção” (Correio Mercantil, 1857).
As imagens de paisagens foram as que causaram mais impacto no público. Em um jornal falou-se que “perspectiva é corretíssima, a sucessão dos planos a mais naturais”, o que provavelmente é um efeito da fotografia.
Também é efeito da fotografia uma representação do trabalho escravo que talvez tenha fugido do controle de Victor Frond. Se havia a intenção de mostrar uma visão neutra e acrítica do trabalho escravo, a fim de contrastar com as representações dos horrores da escravidão comuns nas obras de Debret por exemplo, o projeto cai por terra. As cenas de descanso, poses serenas, bem coordenadas e artificiais, acabam se opondo tanto ao retrato das expressões desoladas e posturas exauridas dessas pessoas que as potencializam.
Charles Ribeyrolles morre pouco depois do lançamento dos livros. Victor Frond queria estender o projeto para outros volumes, tratando de outras regiões do Brasil, além do Rio de Janeiro e da Bahia. No fim, as dificuldades para financiar o projeto – que vendeu abaixo do esperado – foram muitas e depois que Manual Antonio de Almeida (autor de Memórias de um sargento de milícias) também faleceu, que era cotado por Frond para substituir Ribeyrolles, o projeto foi definitivamente encerrado.
A autoria principal do projeto sempre foi de Victor Frond, ainda que ele quase sempre seja referido como autor secundário. Charles Ribeyrolles chega ao Rio de Janeiro a convite do seu amigo quando o projeto já estava em andamento para ajudar no texto, redigindo as legendas das fotografias e um panorama sobre a história do Brasil, talvez sem o embasamento necessário. O fotógrafo e pesquisador Boris Kossoy escreve em 1980:
” ‘Pode-se sem injustiça dizer’ comenta Afonso de E. Taunay no prefácio da obra – ‘que a profusa e variada iconografia do Brasil pittoresque, quase que sempre excelente, salvou a obra de Ribeyrolles do esquecimento ou pelo menos imenso contribuiu para seu prestígio de livro apressado’. Referindo-se à ingenuidade e ignorância do texto de Ribeyrolles quanto a certos aspectos conjunturais da sociedade e cultura do Imperio brasileiro, Taunay acrescenta: ‘ao compor o seu livro achava-se Ribeyrolles muito desambientado. Suas notas de viagem ressentem, a cada passo, da falta de contato íntimo entre o seu autor e as populações por ele visitadas'” (Origens e expansão da fotografia no Brasil: século XIX).
As fotografias de Victor Frond não têm a aparência de fotos por terem sido copiadas em desenho e impressas com a técnica da litogravura, isto é, um processo de impressão em que uma pedra funciona como carimbo da imagem, que por sua vez foi gravada na pedra com um material oleoso que reterá a tinta usada na impressão. Esse processo é vantajoso porque com a pedra litográfica é possível fazer tiragens muito altas com materiais resistentes, sem depender dos negativos fotográficos frágeis e caros. Os originais de Frond foram direto para a oficina Maison Lemercier em Paris para virarem desenho, e acabaram se perdendo, deixando como únicos registros as imagens de Brasil pitoresco.
Digitalizações na Biblioteca Digital:
Brazil pittoresco, História-descripções-viagens-instituições-colonisação (tomo 1)
Brazil pittoresco, História-descripções-viagens-instituições-colonisação (tomo 2)
Brazil pittoresco, História-descripções-viagens-instituições-colonisação (tomo 3)
Brazil pittoresco. Album de vistas, panoramas, paisagens, monumentos, costumes, etc.
Textos de referência:
Instituto Moreira Salles. Jean Victor Frond ( França, 1/11/1821 – França, 16 /1/1881) (2016).
Maria Antonia Couto da Silva. Um espírito imparcial e as paisagens mais belas: Considerações acerca da repercussão das imagens do álbum Brasil Pitoresco, de Victor Frond e Charles Ribeyrolles (2013).
Lygia Segala. O retrato, a letra e a história: notas a partir da trajetória social e do enredo biográfico de um fotógrafo oitocentista. (1999).
Boris Kossoy. Origens e expansão da fotografia no Brasil: século XIX (1980).
Me desculpem, mas tem um erro no parágrafo sobre os Autores e a Fotografia. A invenção da fotografia por Daguerre aconteceu em 1839! Portanto fez 12 anos em 1851 e 17 anos quando Frond chegou no Brasil em 1856, mas não “mais de 30 anos”…
Olá, Frank! É verdade, eu estava com as datas das imagens de Niépce na cabeça, mas realmente a data oficial da tecnologia é 1839. Obrigada!