A Revista Senhor foi publicada entre 1959 e 1964, período de acontecimentos decisivos para história mundial e brasileira: inauguração de Brasília, conflitos da Guerra Fria, eleição e renúncia de Jânio Quadros, corrida espacial, bicampeonato mundial da seleção brasileira, lutas pela descolonização na África, surgimento da Nouvelle Vague e Cinema Novo, Revolução cubana e Golpe Militar. A publicação se propunha a lidar com esses e outros tantos eventos, servindo como meio de adequar os ponteiros do leitor ao mundo contemporâneo. Valia para a revista um pouco do que ela dizia sobre o disco de João Gilberto que inaugurou a bossa nova: qualidade e refinamento aliados à aptidão para o mercado.
O refinamento vinha da inspiração de revistas da Europa e EUA, como Esquire e New Yoker, que indicaram tanto o caminho do projeto gráfico – de março de 1959 a julho de 1961 o diretor de arte da revista foi o artista plástico Carlos Scliar, que definiu um padrão gráfico inédito em revistas brasileiras – quanto do projeto editorial, calcado no jornalismo cultural, de visão ampla e postura crítica.
A aptidão para o mercado vinha do foco em um público específico; a revista se dirigia ao homem urbano, intelectualizado, de alto poder aquisitivo. A esse senhor a publicação oferecia uma forma moderna e modernizadora de entrar no compasso das questões contemporâneas. Nas páginas de Senhor lia-se contos inéditos de Clarice Lispector e Guimarães Rosa, autores estrangeiros como Hemingway, Sartre, Kafka, artigos sobre a Nouvelle Vague, Antonioni, La dolce vitta. Quando o assunto era o Brasil, as matérias iam da dívida externa às carrancas do rio São Francisco, passando pelas propostas desenvolvimentistas de Celso Furtado e análises de Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro sobre educação. No plano internacional, abordava-se o modelo político-econômico da União Soviética e o sistema eleitoral dos EUA. Paulo Francis foi enviado a este país para entrevistar Martin Luther King e Rubem Braga partiu para Cuba para traçar o perfil de Fidel Castro.
Entre a Guerra Fria e a arte moderna havia ainda espaço para textos e cartuns humorísticos, matérias sobre moda masculina, cozinha italiana, ensaios fotográficos com modelos femininas. A Revista Senhor pautava o que seu leitor devia saber sobre o mundo e seu país e também como devia se comportar para estar à altura de seu tempo. Essa tarefa modernizadora da revista era reflexo de uma fase de grande otimismo que se vivia no país. Juscelino Kubitschek tinha deixado o país às portas da industrialização e fez construir a mais moderna capital do planeta. O Brasil ainda veria sua seleção ganhar duas Copas e um novo gênero musical – a bossa nova – conquistar o mundo.
Contudo, o otimismo do país foi paulatinamente diminuindo e de alguma maneira a Revista Senhor acompanhou esse movimento. Dificuldades financeiras a fizeram mudar de dono em agosto de 1961, coincidentemente o mês de renúncia do presidente Jânio Quadros. Sete meses depois, a permanência das dificuldades econômicas puseram a revista nas mãos de novos donos. Pouco a pouco diminuiram o número de páginas da revista, a qualidade gráfica, a presença de escritores estrangeiros etc. Em janeiro de 1964 ela deixou de circular, por falta de recursos econômicos para mantê-la. Poucos meses depois o Brasil assistiu ao golpe militar e à instauração de uma ditadura, que sacramentariam o fim de um período de otimismo. A proximidade de datas talvez seja mais que mera casualidade; o desaparecimento de uma publicação que tinha o desígnio de formar a elite brasileira pode ser visto como prenúncio do fracasso de um projeto modernizador de país que se manifestou por alguns anos nas mais variadas esferas da sociedade brasileira.
Mais sobre o tema:
Eliane Fátima Corti Basso, Revista Senhor: modernidade e cultura na imprensa brasileira. Rio de Janeiro : Secretaria Especial de Comunicação Social, 2008. Disponível em: http://www.rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/4204434/4101429/memoria21.pdf
Muito bom.