200 livros: Pioneiros da História Econômica do Brasil

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A historiografia econômica produziu no período compreendido entre as décadas de 1950 e 1970 algumas das mais relevantes contribuições para pensar o Brasil. Influenciadas tanto pelo marxismo como pelo estruturalismo latino-americano, essas contribuições buscavam elucidar, a partir do passado colonial, questões como as transformações da economia brasileira, a inserção do país no comércio internacional e a intensificação dos processos de industrialização e urbanização.

Este post reúne as obras consideradas fundadoras da historiografia econômica brasileira (Iglésias, 1959; Szmrecsányi, 2009; Saes, 2009): História econômica do Brasil (1937) de Roberto Simonsen, Formação do Brasil contemporâneo de Caio Prado Jr. (1942) e Formação econômica do Brasil de Celso Furtado (1959). Cada obra à sua maneira, as três deixaram marcas profundas em nossa compreensão a respeito da história do Brasil: sobre a dimensão dos ciclos econômicos; sobre o sentido externo e comercial da colonização; e sobre a dinâmica dos fluxos de renda e o papel do mercado interno na economia brasileira. Foram obras de interpretação que produziram tanto sínteses do processo histórico, como proposições de projetos de intervenção e futuro do país.

Reunimos ainda neste grupo outras obras que iluminaram aspectos centrais da economia na construção da sociedade brasileira. Cultura e opulência do Brasil, do padre André João Antonil (1771), é um dos primeiros e mais completos relatos sobre a economia colonial, um documento central para compreender a estrutura produtiva e as relações escravistas na colônia. Capistrano de Abreu, com Capítulos de história colonial (1907), apresenta elementos narrativos, que seriam encontrados décadas à frente, ao examinar a vida material da população e dar destaque para o sertanejo como ator relevante da interiorização do país. 

Finalmente, incorporamos ao grupo das obras pioneiras em história econômica O Comércio Português no Rio da Prata, 1580-1640, de Alice Canabrava, autora e pesquisadora decisiva para a consolidação da área de história econômica no Brasil. Trata-se da sua tese de doutoramento defendida em 1942, uma obra pioneira no método e na pesquisa em história econômica, perfil de trabalho que se difundiu mais tarde com os programas de pós-graduação.


Referências

Iglésias, Francisco. Historiografia econômica brasileira. Introdução à historiografia econômica. Belo Horizonte: FCE-UMG, 1959.

Szmercsányi, Tamás. Retomando a questão do início da historiografia econômica no Brasil. Nova Economia, [S. L.], v. 14, n. 1, 2009.

Saes, Flávio Azevedo Marques de. A historiografia econômica brasileira: dos pioneiros às tendências recentes da pesquisa em história econômica do Brasil.  Revista Territórios e Fronteiras. V.2 N.1 – Jan/Jun 2009.


Cultura e Opulência do Brasil…, por João Antonil


André João Antonil. Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas. Lisboa, Officina Real, 1711.


Nascido na região da Toscana no ano de 1649, André João Antonil se formou em Direito na Universidade de Perugia e, em 1667, ingressou na Companhia de Jesus. Veio para o Brasil em meados de 1681, onde atuou principalmente na Capitania da Bahia. Publicou Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas, em Portugal, no ano de 1711. A obra está dividida segundo as quatro principais riquezas do Brasil no século XVIII: cana de açúcar, tabaco, minas de ouro e pecuária. 

Escrita de forma simples, trata-se de uma das mais completas descrições do Brasil colonial, ao apresentar sua formação social e também como os processos de produção e economia se articulavam. Após sua publicação no Brasil, Cultura e Opulência foi censurada e alvo de uma ordem de destruição emitida pelo Conselho Ultramarino. O Conselho viu na obra de Antonil uma possível ameaça para a segurança devido às descrições da localização e dos processos de produção. Em trecho do prefácio na primeira edição dessa obra temos a exaltação de sua importância:

“Este livro é pois a cultura e riqueza do Brasil, etc. etc. etc., no ano de 1711. Do título inferirão os leitores o quanto ele é útil a todos os estudiosos de economia pública, e em geral a todos os brasileiros, que ali acharão a certeza de que o seu abençoado país já então era a mais rica parte da América quanto a produtos rurais. Há este raríssimo e interessante livro que se reimprime, contentando-se o editor com a glória que lhe toca, de quase ressuscitar uma joia tão preciosa.” (Nota do editor, Antonil, Cultura e opulência, 1837, p.vi-vii).


Capítulos de história colonial (1500-1800), por Capistrano de Abreu


Capistrano de Abreu. Capítulos de história colonial (1500-1800). Rio de Janeiro: M. Orosco, 1907.

Link para edição na BBM Digital


João Capistrano Honório de Abreu (1853 – 1927) nasceu em Maranguape, na província do Ceará. Ainda jovem conheceu o escritor José de Alencar, que lhe encomendou pesquisa sobre folclore regional. Por indicação de Alencar, acabou se mudando para o Rio de Janeiro, trabalhando inicialmente na Livraria Garnier, mais tarde como bibliotecário na Biblioteca Nacional e, ainda, como professor de História do Brasil no Colégio Pedro II. Para ingressar no colégio escreveu a tese O descobrimento do Brasil e o seu desenvolvimento no século XVI, publicada em 1883. Também publicou estudos etnográficos sobre povos indígenas, A língua dos Bacaeris (1897) e Ra-txa hu-ni-ku-i: a língua dos Caxinauás (1914). 

Sua obra-prima é Capítulos de história colonial, uma obra de síntese que abandonava as narrativas político-administrativas, mais comumente escritas no século XIX. A construção da história colonial brasileira, para Capistrano de Abreu, passa pela construção das paisagens naturais, com ênfase nas relações sociais – perspectiva que seria bastante marcante nas obras dos “intérpretes do Brasil” décadas depois. Alguns trabalhos semelhantes são especialmente marcantes, como a obra Formação do Brasil contemporâneo de Caio Prado Jr. Evitando a elaboração de uma obra dominada pela exaltação dos “grandes homens”, Capistrano ilumina espaços de disputas dos atores sociais e examina a vida material da população comum, ilustrada acima de tudo pelo longo capítulo sobre os sertanejos.   


História Econômica do Brasil, por Roberto Simonsen

Roberto Cochrane Simonsen. História econômica do Brasil. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1937.


Roberto Simonsen (1889-1948) foi industrial e intelectual brasileiro com atuação marcante entre as décadas de 1920 e 1940. Engenheiro, formado na Escola Politécnica de São Paulo, Simonsen foi fundador da Companhia Construtora de Santos, responsável pela construção do bairro da Vila Belmiro, e presidente da Companhia Construção de São Paulo e da Cerâmica São Caetano. Tornou-se relevante representante dos industriais em fins da década de 1920, tendo sido um dos fundadores do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (CIESP) e, na década de 1930, presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP). No governo de Getúlio Vargas, Simonsen foi nomeado para o Conselho Nacional de Política Industrial e Comercial (CNPIC), órgão ligado ao Ministério do Trabalho, e, ao defender a intervenção do Estado na economia, polarizou com o economista liberal Eugênio Gudin o chamado “debate sobre o planejamento”.  

História econômica do Brasil (1500-1820), publicada em 1937, sintetizava o conteúdo do curso ministrado por Roberto Simonsen em cadeira homônima na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo. Naquele momento a obra se tornou um dos mais cuidadosos esforços de sistematização de dados sobre a economia colonial brasileira. Sua narrativa, ao percorrer as principais atividades econômicas da colônia, destacando a dinâmica dos ciclos econômicos – da extração de pau-brasil, das plantantions de açúcar e da mineração –, deixaria marcas profundas na historiografia nacional. Para o autor, uma economia voltada para o exterior, por meio de atividades econômicas que percorriam seus ciclos de expansão e crise, pouco contribuía para o desenvolvimento econômico do país. Em suma, era uma obra histórica que subsidiava seu projeto de transformação do país, em defesa da industrialização e do planejamento estatal, que daria condições para a ruptura com o caráter agrário-exportador e dependente da economia brasileira.


Formação do Brasil contemporâneo, por Caio Prado Júnior

Caio Prado Jr. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Livraria Martins Fontes, 1942. 


Caio Prado Jr. (1907-1990) nasceu em São Paulo em uma tradicional família paulista. Realizou seus estudos em Direito no Largo São Francisco e, como intelectual, publicou nas áreas de Geografia, História e Filosofia. Filiado ao Partido Comunista Brasileiro desde 1932, chegou a ser eleito deputado em 1945, mas teve seu mandato cassado quando o Partido Comunista Brasileiro foi colocado na ilegalidade durante a presidência de Eurico Gaspar Dutra. Foi um dos mais importantes intelectuais marxistas brasileiros, fundando com Monteiro Lobato e Arthur Neves a Editora Brasiliense. Seu primeiro livro Evolução política do Brasil, de 1933, empreende uma análise da Independência do Brasil por meio do materialismo histórico, observando o processo político a partir da dinâmica da luta de classes. Em 1966, com o premiado livro A Revolução brasileira, Caio Prado Jr. romperia com a interpretação dominante no Partido Comunista Brasileiro, negando as teses da existência do feudalismo no Brasil e da existência de uma burguesia nacional capaz de empreender uma revolução nacional.

Sua obra-prima, entretanto, é Formação do Brasil contemporâneo, publicada em 1942. Segundo Antonio Candido, era “o primeiro grande exemplo de interpretação do passado em função das realidades básicas da produção, da distribuição e consumo”, conferindo a Caio Prado Jr. a condição de intérprete do Brasil. Ao incorporar o materialismo histórico como método, Caio Prado Jr. produz uma das mais influentes leituras sobre o processo de construção da sociedade brasileira, ressaltando o sentido externo e mercantil de uma sociedade construída a partir dos interesses comerciais portugueses. A estrutura econômica, política e social colonial, conforme o autor, deixava marcas profundas no Brasil contemporâneo: a constituição da nação dependia, portanto, da reversão da condição colonial.


O comércio português no Rio da Prata, por Alice Canabrava

Alice Canabrava. O comércio português no Rio da Prata (1580-1640). São Paulo: Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, 1944. 


Alice Piffer Canabrava nasceu em 1911 em Araras, no interior de São Paulo. Formada em magistério na Escola Normal Caetano de Campos, foi professora no interior de São Paulo até 1935, quando ingressou na recém-criada Universidade de São Paulo, no curso de História e Geografia. Defendeu sua tese de doutorado O comércio português no Rio da Prata, 1580-1640 em 1942, sendo assistente da cadeira de História da América da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. Concorreu àquela cátedra em 1946, com a tese A indústria do açúcar nas ilhas inglesas e francesas da Antilhas, 1696-1755, e mesmo tendo as maiores notas, não obteve a indicação para a vaga. Inconformada com o resultado, pediu demissão da faculdade e se transferiu para a recém-criada Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas da USP, instituição em que se tornou catedrática da cadeira de História Econômica em 1951, uma das primeiras mulheres a assumir a posição de catedrática na Universidade de São Paulo, com a tese O desenvolvimento da cultura do algodão na Província de São Paulo – 1861-1875

O perfil das obras de Alice Canabrava se distinguia daquele produzido na área de história econômica por autores coevos, tais como Caio Prado Jr., Roberto Simonsen e J.F. Normano. Com um caráter monográfico – que contrastava com as grandes sínteses históricas –, as obras eram resultado de uma minuciosa pesquisa documental, refletindo a formação de seu curso de História e Geografia. Com a obra sobre O comércio português no Rio da Prata, Canabrava indica o percurso particular da articulação entre os comerciantes do Prata, especialmente daqueles situados em Buenos Aires, em oposição ao restante da América Hispânica, em que a proximidade com a Coroa Espanhola deu menor autonomia para os grupos comerciantes. Em suma, por meio da compreensão do processo de formação econômica da região, a autora indicava as especificidades políticas e sociais, que deixariam traços permanentes naquela sociedade.    


Formação econômica do Brasil, por Celso Furtado

Celso Furtado. Formação econômica do Brasil. Rio de Janeiro: Companhia Editora Nacional, 1959.


Reconhecido como o mais importante economista brasileiro, Celso Furtado nasceu em Pombal, na Paraíba, em 1920. Sua produção foi decisiva para a formulação e disseminação das teses sobre o subdesenvolvimento latino-americano. Foi economista da Comissão Econômica para América Latina e Caribe – CEPAL; o primeiro superintendente da SUDENE; e ministro extraordinário do Planejamento no governo de João Goulart. Exilado em 1964, foi professor na Sorbonne por quase duas décadas; no retorno ao Brasil, assumiu o ministério da Cultura no governo José Sarney. Além de Formação econômica do Brasil, Furtado publicou mais de trinta livros, com outras relevantes obras como: Desenvolvimento e Subdesenvolvimento (1961), O mito do desenvolvimento econômico (1974) e Criatividade e dependência na civilização industrial (1978). 

Formação econômica do Brasil é a obra-prima de Celso Furtado e uma das melhores sínteses do método histórico-estrutural latino-americano. Publicada em 1959, o livro introduziu os problemas econômicos para sua geração e merece ser incluído na tríade dos intérpretes do Brasil, conforme defende Fernando Henrique Cardoso. Ao apresentar uma síntese sobre a evolução da economia brasileira, indicando o caráter reflexo da dinâmica periférica, Furtado apresentava um projeto de país em que a industrialização e o mercado interno poderiam oferecer um caminho de efetivo desenvolvimento, com autonomia dos centros de decisão e socialmente inclusivo.


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