A extrema direita brasileira na década de 30

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Plínio Salgado

O movimento integralista surgiu no Brasil em 1932 com a fundação da Ação Integralista Brasileira, a AIB. O integralismo brasileiro é um movimento conservador que busca alguma inspiração no integralismo lusitano e no fascismo italiano – Plínio Salgado chegou a se encontrar com Benito Mussolini em uma viagem à Europa alguns anos antes da fundação do partido –, mas dos quais se diferencia em muitos aspectos, se apresentando de maneira singular no país, e sem pretensão de vir a ser um movimento internacional. Priorizando a nação acima de tudo, o integralismo brasileiro defende um Estado totalitário fundado em princípios católicos. Alguns desses princípios e ideais estão expostos no Manifesto de Outubro, obra de Plínio Salgado que marca a fundação da AIB. Alguns meses depois, já em 1933, Salgado publicou o livro O que é Integralismo. Mais extenso e detalhado do que o primeiro manifesto, o texto pretende esclarecer algumas questões sobre a doutrina integralista, mas ainda de maneira simples e clara, livre de erudição, nas palavras do autor, pois dirigia-se às massas.

O livro trata principalmente da posição do movimento integralista em relação à liberal democracia, de um lado, e ao socialismo, de outro. Para Plínio Salgado, é preciso entender primeiro o que chama de “conceitos de vida e finalidade”, que se opõe e se alternam na história da humanidade: o materialismo e o espiritualismo. O primeiro, que compreende a vida humana como um fenômeno que começa e termina na Terra, ignora os conceitos de Deus e alma, e os que deles derivam, como dignidade, moral, Pátria, amor da família e disciplina consciente. O espiritualismo, ao contrário, considera a vida humana um fenômeno transitório, condicionado a uma aspiração superior e eterna. Para seus adeptos existe Deus e a Alma, e consequentemente também todas as noções derivadas, inexistentes para os materialistas, porque superiores à contingência material.

A liberal democracia e o socialismo são apresentadas então como concepções do mundo que encaram a luta econômica sob critérios diferentes, mas que pecam igualmente em considerar apenas a finalidade materialista do homem. O integralismo, por outro lado, recusaria essa finalidade sem negar “o imperativo das exigências materiais”: o homem integral realiza suas aspirações materiais, intelectuais e morais; o sigma, símbolo do movimento integralista, é a representação matemática da soma total e simboliza essa pretensão totalitária, “sem se perder na esfera exclusiva da metafísica, nem se deixando arrastar pela unilateralidade do materialismo”.

Embora semelhantes conceitualmente em relação ao materialismo, a liberal democracia e o socialismo diferem na forma de encarar a luta econômica – a partir de critérios individualistas ou coletivistas, respectivamente -, e o livro explora os grandes problemas de cada concepção. No capítulo intitulado “Guerra de morte à liberal democracia!”, Plínio Salgado aponta a falência desse sistema, que seria o grande responsável pela maneira da sociedade viver e governar no século XIX e começo do século XX, gerando resultados desastrosos tanto politicamente, como a Primeira Guerra Mundial, quanto economicamente, como a superprodução de mercadorias e um enorme índice de desempregados.

Para o autor, o liberalismo democrático não encontra mais apoio no povo, mas ainda é defendido, paradoxalmente, pela grande burguesia e pela extrema esquerda. Isso porque a função do Estado na liberal democracia é apenas a manutenção da ordem pública, e não a intervenção na economia, o que o torna “meramente espectador da batalha econômica”. Assim, não oferece nenhuma resistência ao capitalismo, que encontra nesse tipo de governo seu ambiente ideal, ao mesmo tempo que também dá liberdade à luta de classes, o que criaria também um ambiente favorável à preparação de uma ditadura comunista. O integralista é enfático em seu diagnóstico: “o mundo está em desordem porque o Estado liberal é fraco”.

A crítica também aborda o sistema de votos, considerando que o sufrágio universal é uma ilusão, porque tenta transformar realidades sociais profundamente diferentes em um conceito abstrato de soberania e “vontade geral”. O governo da democracia liberal encobre as vontades tanto individuais como as de classe e não tem interesse pelo homem comum, do qual se lembra apenas no momento de cobrar impostos e exigir sua presença no serviço militar, no júri ou na guerra, caso preciso. Salgado se aproxima da esquerda quando descreve o Estado liberal, usa inclusive termos marxistas como ‘superestrutura’; para ele esse Estado é “um luxo da civilização burguesa e capitalista”.

Mas as semelhanças acabam aí, como fica claro no capítulo intitulado “Alerta contra o socialismo!”. O problema, para Plínio Salgado, é o determinismo materialista do socialismo, que ignora as aspirações espirituais do homem. De maneira resumida, “o capitalismo exige apenas que o homem seja um cidadão votante e pagador de impostos, com boa folha na polícia e serviço militar, embora haja fome na sua casa; o socialismo abandona a parte moral do homem curando tão somente do seu aspecto econômico”. Além disso, o integralismo, que também propõe a sindicalização das classes profissionais, critica a sindicalização livre que existe na liberal democracia – deve haver apenas um sindicato por classe, caso contrário a nação fica dividida e quem lucra são os partidos, porque as classes não são efetivamente representadas. O integralista acrescenta ainda que a repressão ao comunismo é necessária, mas não da maneira como é feita pela polícia liberal democrática, que de maneira hipócrita pune os proletários e protege comunistas de colarinho branco.

O texto segue com uma retomada da história do Brasil, no capítulo “Notas sumárias da vida brasileira”, que, segundo o próprio autor, segue a metodologia marxista. Isso porque, embora seja condenado como filosofia, o marxismo é aceito pelos integralistas como método de documentação, pois pode esclarecer “o verdadeiro sentido” da liberal democracia, e também a “unidade de pensamento e a identidade de propósitos” do capitalismo-burguês e do comunismo. Plínio Salgado busca retomar mais de um século de história, da independência “patrocinada pela Inglaterra” à chegada da década de 30 com problemas profundos de dívidas e desemprego, traçando a trajetória do liberalismo democrático no Brasil, que se torna uma nação dividida, palco de guerras fratricidas, ódio entre províncias e desprestígio internacional.

Cartaz de recrutamento da Ação Integralista Brasileira

É nesse cenário que Plínio Salgado propõe o integralismo como solução. Pretende realizar uma “democracia de fins, e não de meios”, movendo uma “guerra de morte” a todos os partidos, que dividem a nação. Para o integralismo, o Estado não pode ser um “fetiche”, como no socialismo, nem um “fantoche”, como no liberalismo, deve ser totalmente identificado à própria nação, subordinando até a luta de classes à supremacia da pátria. O partido integralista brasileiro reivindicava restaurar a “ordem”, e fundar a moral do país a partir dos sentimentos religiosos e da disciplina.

Atualmente, quase um século depois, o integralismo se mantém vivo com a Frente Integralista Brasileira, mas tem pouca relevância, e parece distante da direita convencional atual não apenas por sua recusa à representação partidária, mas também pela política anti liberal defendida desde o início por Plínio Salgado. A crítica veemente ao sistema capitalista e a defesa de um Estado forte e interventor na economia são dois pontos fundamentais da política integralista, incompatíveis com a direita neoliberal que se consolidou no Brasil nas últimas décadas. Embora tenha sido um grupo político relevante na primeira metade do século XX, o movimento perdeu sua força no espectro político atual e hoje representa uma parcela muito restrita da direita brasileira, que não se enquadra no modelo econômico e democrático vigente no país.

Maria

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