Bestiário – Tucano

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Na Idade Média, bestiário era o tipo de publicação que descrevia seres, reais e fabulosos, do mundo animal. Com a conquista europeia do Novo Mundo, os viajantes se depararam com muitas espécies de animais nunca vistas pelo olhar europeu. Essa série de publicações reúne algumas imagens e textos do acervo da biblioteca que descrevem animais da fauna brasileira e de outras regiões.

Três descrições de um tucano

As três descrições que seguem foram feitas pelos mesmos autores das descrições da preguiça. Lá como aqui nota-se a tendência comum nos autores de descrever um animal partindo da comparação com outro, familiar ao europeu. Também é recorrente descrever a relação dos índios com o animal retratado e comentar sua dimensão utilitária (carne boa de comer, penas boas para ornamentação, facilidade de domesticá-lo, de usá-lo como moeda de troca etc.). No caso do tucano, a exaltação da plumagem amarela e a dimensão desproporcional do bico em relação ao corpo do pássaro se destacam nas descrições, características que produzem a singularidade do bicho para o olhar europeu.

Tucano segundo André Thevet

“Na costa marinha, a mercadoria mais frequente é a pluma de um pássaro que eles chamam em sua língua de tucano, que descreveremos sumariamente, pois vem à propósito. Esse pássaro é do tamanho de um pombo torcaz. Há uma outra espécie da forma de um corvo, com a mesma plumagem que a outra, a saber, negras as duas exceto em volta da cauda, onde há algumas penas vermelhas entrelaçadas entre as negras; sob o peito penas amarelas de cerca de quatro dedos, tanto de largura quanto de comprimento: impossível encontrar amarelo mais excelente que o deste pássaro; na ponta da cauda há pequenas plumas vermelhas como sangue. Os selvagens pegam as penas amarelas e as usam para fazer guarnições de suas espadas e seus vestidos, chapéis e outras coisas. Levei um chapéu feito dessa plumagem, muito belo e rico, o qual foi presenteado ao rei como coisa singular.”

André Thevet. Les singularitez de la France Antarctique. (As singularidades da França Antártica). Paris: chez les héritiers de Maurice de La Porte, 1558.

L'Histoire de la nature des oyseaux, avec leurs descriptions et

Tucano que o naturalista francês Pierre Belon (1517-1564), citado por Léry, retratou na sua “Histoire de la nature des oiseaux”, 1555 (“História da natureza dos pássaros”). [Fonte: gallica.bnf.fr / Bibliothèque nationale de France]

Tucano segundo Jean de Léry

“Os outros pássaros do país de nossos americanos são, em primeiro lugar, o que eles chamam tucano (sobre o qual tratei acima, sob outro aspecto). É do tamanho de um pombo torcaz e toda sua plumagem, exceto a do peito, é negra como a de um corvo. Mas esse peito, (como também disse noutro lugar) tendo quatro dedos de comprimento e três de largura, é mais amarelo que o açafrão e bordado de vermelho por baixo; ele é muito estimado pelos selvagens, que o depenam, lhes servindo as penas para cobrir suas bochechas e outras partes do corpo, e também porque eles geralmente a usam quando dançam, e por essa causa o nomeiam tucantaburacé, isto é, pena para dansar. Todavia, havendo grandes quantidades do animal, não têm os selvagens grande esforço em dá-los e trocá-los pelas mercadorias que os franceses e portugueses, que traficam nessa região, lhes trazem.

Além disso, o tucano, tendo o bico mais longo e maior que todo o corpo, sem opor nem contrapor ao do grou, que não é nada em comparação, é preciso considerá-lo não só o bico dos bicos, mas também o mais prodigioso e monstruoso que se possa encontrar em todos os pássaros do universo. Sendo assim, não é sem razão que Belon fez um retrato seu no fim do terceiro livro dos pássaros, embora não o nomeie como tucano.”

Jean de Léry. Histoire d’un voyage faict en la terre du Bresil (História de uma viagem feita na terra do Brasil). La Rochelle: Antoine Chuppin, 1578.

Tucano segundo Gabriel Soares de Sousa

“Tucanos são outras aves do tamanho de um corvo; têm as pernas curtas e pretas, a pena das costas azulada, a das asas e do rabo anilada, o peito cheio de frouxel muito miúdo de finíssimo amarelo, o qual os índios esfolam para forro de catapuças. Têm a cabeça pequena, o bico branco e amarelo, muito grosso, e alguns são tão compridos como um palmo, e tão pesados que não podem com ele quando comem, porque tomam grande bocado, com o que viram o bico para cima, porque não pode o pescoço com tamanho peso, como têm. Criam estes pássaros em árvores altas, e tomam-nos novos para se criarem em casa; os bravos matam os índios à flecha, para lhe esfolarem o peito, cuja carne é muito dura e magra.”

Gabriel Soares de Sousa. Tratado descriptivo do Brasil em 1587. Rio de Janeiro: João Inácio da Silva, 1879.

 

 

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